sexta-feira, 27 de agosto de 2010

SOFT SKILLS, O Desafio a Ganhar

por: Vitor M. Trigo
vitor.trigo@gmail.com
Fevereiro de 2007

Enquadramento

Os cientistas lutam por encurtar o período de vida útil das tecnologias. Os estrategas esforçam-se por limitar as vantagens competitivas dos concorrentes. Mas, as tecnologias compram-se e as estratégias copiam-se. Assim, dois dos tradicionais pilares das vantagens diferenciadoras perdem influência real.
Dois dos grandes mestres militares, Sun Tzu (nascido na China há mais de 2500 anos) e Carl von Clausewitz (general prussiano, 1780-1831), há muito nos indicaram o caminho: a qualidade das tropas é essencial para ganhar as guerras (Tzu, 1996; Clausewitz, 1996).
Hoje, a Psicologia Social designa estes trunfos por Competências, e as Ciências da Educação há muito nos ensinaram que o seu poder se baseia na tríade: Knowledge (Conhecimento), Skills (Destreza, Jeito, Capacidade) e Dispositions (Aptidões, Tendências Pessoais). Para evitar ambiguidades, continuaremos a utilizar a terminologia anglo-saxónica.
Conhecimento é, como afirma David Kolb (n. 1939), algo que depende do Saber mas não se extingue nele.
Enriquece-se através dum processo contínuo conduzido pela atenção e personalidade do indivíduo, passando sucessivamente pela Reflexão Crítica, Abstracção, Experimentação Activa e Nova Reflexão Critica sobre Experiências Enriquecidas. Indivíduos distintos podem interagir com este ciclo de formas diferentes, sendo comum considerarem-se quatro tipos clássicos de experimentadores: os Reflexivos, os Teóricos, os Pragmáticos, e os Activistas.
Para mais fácil entendimento do significado do termo Skills, poderemos recorrer-nos do léxico dos profissionais de Marketing. Para estes, Merchandizing quer dizer a arte de colocar o produto certo, na altura correcta, no espaço preciso, da forma ideal, ao preço adequado. Assim, mutatis mutandis, Skills será o conjunto de características humanas indispensáveis para conduzirem um indivíduo a interpretar e concretizar um objectivo, de forma adequada, numa determinada envolvente.
Por Hard Skills consideram-se as componentes técnicas, as matérias do conhecimento. Por Soft Skills entendem-se os cruciais complementos afectivos e emocionais, e em particular as relações intra e inter pessoais.
Como explicou Howard Gardner (n. 1943) em meados dos anos 70, estamos a endereçar duas das oito componentes das Inteligências Múltiplas. As outras são, segundo o Modelo de Gardner: a Naturalista, a Lógico-Matematica, a Espacial, a Musical, a Linguística e a Cinestésica.
O conceito de Inteligência Emocional, introduzido nos anos 1990 por Mayer e Salovey, a partir da Teoria das Necessidades Aprendidas de David McClelland (1917-1998), foi posteriormente desenvolvido por Daniel Goleman (n. 1946) e Richard Boyatzis, recorrendo, entre outros, aos estudos do neurocientista António Damásio (n.1949), endereça todo o âmbito relacional – intra e inter relacional – que foi referido.

O valor do QI

QI, Quociente de Inteligência, foi a expressão criada em 1912 por William Stern (1871-1938), com a finalidade de relacionar a idade mental dos indivíduos com as suas idades cronológicas.
Criada com pressupostos limitados (não considerando, por exemplo, que a cultura varia com factores como a diversidade geográfica ou o acesso à informação), só permite, obviamente, conclusões redutoras. Apesar disso, continua a ser utilizada com frequência para fins preditores de desempenho.
No entanto, a realidade revela-nos fraca correlação entre os valores de QI e o que se considera ser sucesso pessoal. Por um lado, indivíduos com valores médios de QI atingem com frequência posições de grande destaque nos desportos, nas empresas e na política, enquanto que outros com QIs muito mais elevados não passam de lugares apagados ou menores (Goleman, 1995, 1998).
Cientistas, consultoras e as próprias empresas empenharam-se então na análise do inesperado fracasso deste preditor. O caminho haveria de revelar o que se passou a designar como Soft Skills, potenciadores do Saberes Tradicionais (Saber-Saber e Saber-Fazer). Os novos diferenciadores são o Saber-Ser e o Saber-Estar. Os primeiros identificam-se com o QI – Quociente de Inteligência. Estes últimos têm a ver com o QE – Quociente Emocional.

O que significa QE

QE denomina o Quociente Emocional e quantifica o grau de domínio das emoções próprias e alheias.
Todos os seres humanos possuem sentimentos que se revelam por emoções, não existindo relações intrapessoais nem interpessoais que escapem Inteligência à sua influência.
António Damásio, explica como todo o processo se desenvolve, desmontando a célebre frase “Penso, Logo Existo” (Descartes, 1986), contrapondo a ideia de que a existência se caracteriza pelo acto de Sentir e não pelo acto de Pensar (Damásio, 1996, 1999).
A Inteligência Emocional edifica-se em cinco pilares: (1) Auto-Avaliação; (2) Auto-Regulação; (3) Auto-Motivação; (4) Empatia; (5) Competências Sociais. (Goleman, 1995, 1998, 1998-2, 2000, 2006). A grande novidade em relação ao conceito de Inteligência Geral é que esta se mantém praticamente imutável, ao passo que aquela é moldável e passível de desenvolvimento. Pode aprender-se a ser-se emocionalmente mais inteligente. Ainda mais importante é o facto de se poder incrementar os níveis de QE sem auxílio de terceiros, contando unicamente com os recursos próprios.

O Ensino não é inevitavelmente HARD

É inegável que o ensino tem evoluído muito nas últimas décadas. Contudo, continua quase exclusivamente focalizado na transmissão do Saber-Saber e do Saber-Fazer. Hard, como sempre foi, cumpre objectivos curriculares padronizados, que são avaliados através de provas estandardizadas, obedecendo a apertados critérios previamente definidos, contra rígidas escalas pré-estabelecidas.
Será que esta situação é inevitável? Porque não se pode conciliar a aprendizagem do Hard com a do Soft, beneficiando das evidentes sinergias?
Muitas podem as razões apontadas, mesmo as mais inverosímeis. Mas as metodologias de formação de adultos, parecem mostrar uma pista valiosa a explorar. Transformar as aulas em espaço de debate, de confronto de ideias, e dos mais diversos relacionamentos à volta dos comentários e interpretações, que os alunos possam fazer sobre textos fornecidos com antecedência pelo professor, e aos quais possam acrescentar as suas próprias experiências, pode ser a chave. Também, a abertura das salas de aula ao exterior pode ajudar. E isto pode ser levado a cabo através de aulas experimentais fora do campus, ou convidando agentes do mercado a intervirem nas salas com o apoio dos professores.
Esta tarefa não se afigura de implementação problemática. Será uma questão de ousadia ou de alteração de normas? Poderá argumentar-se que os alunos, mesmo os do ensino superior, não são suficientemente adultos para enfrentarem tais desafios. E então, sê-lo-ão para, face ao Processo de Bolonha, responderem com maturidade às responsabilidades inerentes aos graus de Licenciados ou Mestres, respectivamente com 21 ou 23 anos, que a nova Academia se prepara para lhes conferir?
Bolonha só vencerá se forem transformados os conteúdos, os métodos utilizados e o ambiente nas salas de aula. Trata-se de transformar, não de adaptar o ensino. Reduzir a questão a mera acomodação de processos é, perigosamente, planificar o insucesso. E isso ninguém deseja.

O futuro é SOFT

Alguns dos maiores mitos do século XX são hoje miragens. O emprego para toda a vida não é mais prometido por nenhuma empresa socialmente responsável. A longevidade média das empresas é actualmente inferior a trinta anos. Ao mesmo tempo, os políticos tentam aumentar as carreiras contributivas para além de quarenta anos. Feitas as contas, os trabalhadores deverão conhecer pelo menos dois empregos ao longo das suas vidas. Elementar meu caro Watson, como diria Sherlock Holmes.
Ambas as partes, empregadores e empregados, têm de repensar interesses e posições. Como preconiza Charles Handy (1992, 1998, 1998-2, 2002), o trabalho volta a ganhar estatuto em relação ao emprego. O futuro é dos trabalhadores do conhecimento (Drucker, 1988, 1992, 1993, 1998, 1999, 2000, 2002). A lealdade dos trabalhadores deixou de fazer sentido em relação à empresa, mas unicamente em relação aos projectos e aos clientes (Peters, 1990, 1997, 2000, 2001).
Ser especialista seja em que área for, já não é garantia duradoura. A realidade é cada vez mais volátil, e o leque de exigências é cada vez mais diversificado, incluindo como skills básicos:
• Orientação para Resultados
• Foco no Cliente
• Trabalho em Equipa
• Análise e Resolução de Problemas
• Iniciativa
• Flexibilidade
• Comunicação Pessoal.
Todas estas competências podem, e devem, ser desenvolvidas a nível escolar a par da transmissão do conhecimento técnico.
Estamos perante a necessidade de visão estratégica. A situação carece de coragem, planeamento e, sobretudo, decisão para acção. É um desafio que não podemos correr o risco de perder.


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REFERÊNCIAS

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DAMÁSIO, A. (1996): O Erro de Descartes, São Paulo – Companhia das Letras
DAMÁSIO, A. (1999): O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, Mem Martins – Pulicações Europa-América
DESCARTES, R. (1986): Discurso do Método, Mem Martins – Publicações Europa-América, Lda.
DRUCKER, P. (1988): As Fronteiras da Gestão, Editorial Presença Lda.
DRUCKER, P. (1992): Gerindo para o Futuro, Lisboa – Difusão Cultural
DRUCKER, P. (1993): Sociedade Pós-Capitalista, Lisboa - Difusão Cultural
DRUCKER, P. (1998): The Discipline of Innovation, Drucker Foundation News, March, Volume 5, Issue 4
DRUCKER, P. (1999): Management Challenges for the 21st Century, New York: HarperCollins Publishers Inc.
DRUCKER, P. (2000): Desafios da Gestão para o Século XXI, Lisboa – Livraria Civilização Editora
DRUCKER, P. (2002): Managing in the Next Society, New York – St. Martin’s Press
GOLEMAN, D. (1995). Emotional Intelligence, New York - Bantam Books
GOLEMAN, D. (1998): Trabalhar com Inteligência Emocional, Lisboa – Temas e Debates Actividades Editoriais, Lda.
GOLEMAN, D, (1998-2) What Makes a Leader. Harvard Business Review. November-December, pp. 93-102.
GOLEMAN, D. (2000): Leadership That Gets Results, Harvard Business Review, March-April
GOLEMAN, D. (2006): Inteligência Social, Lisboa – Temas e Debates, Actividades Editoriais
HANDY, C. (1992): A Era da Irracionalidade, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (1998): A Era do Paradoxo, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (1998-2): O Espírito Faminto, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (2002): Elephants and Fleas, Leader to Leader, No. 24, Spring issue
PETERS, T. (1990): A Gestão em Tempo de Mudança, Lisboa – Editorial Presença
PETERS, T. (1997): The Brand Called You, Fast Company, August/September, Issue 10, pp.83
PETERS, T. (2000): A Marca Você, São Pulo, Campus
PETERS, T. (2001): Tom Peter’s True Confessions, Fast Company, Nov. 2001, issue 53, p. 78
TZU, S. (1996): A Arte da Guerra, São Paulo – Editora Paz e Terra

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